sábado, 31 de dezembro de 2011

POR UM EFÉMERO SEGUNDO



I

   E ela voltou atrás. Os olhos tentando dizer o que a sua própria boca não conseguia exprimir. Atirando faíscas de incerteza, explosões de paixão emergindo em ódio, como se fossem envolvidas por uma espécie de placebo de que ninguém se apercebia. Nem eles próprios. As escadas, a iluminação daquelas pequenas ruelas que se desvendava com o anoitecer. Pequenos segundos de êxtase, de prazer, um prazer inexplicável carregado de sofrimento. Talvez superior a uma orgia sadomasoquista.
   Sentia-se perdido, ele, presente naquele espaço quase tirado dos loucos anos 60. Os cafés e as conversas. As pessoas e os seus guarda-chuvas. As janelas entreabertas e as portas, essas, quase sempre fechadas. Percebo agora que talvez o facto de as portas estarem fechadas o perturbava um pouco, ou pelo menos, perturbava-o mais do que se estivessem abertas. Abertas á sua entrada, á sua descoberta. Sentia-se perdido, ele, ouvindo o motor dos carros, os lamentos das pessoas, os instintos dos animais, a brisa do vento e o salpicar da chuva. Presente, ele, naquele espaço mas só em corpo. A sua alma tentava chegar mais longe, quebrando barreiras, tentando transpor os limites da sua raça. Esperando chegar até ao mais intimo pensamento de alguém que por ali passasse. Ou apenas esperando ouvir o pensamento dela.
   O segredo que ela guardava. O segredo que ele queria desvendar. Teria morrido ele e voltado a nascer só para que essa revelação se mostrasse ao mundo. Revelada pura e simples como um Cristo ressuscitado. Como um mártir cantando Aleluia enquanto se deixa morrer envolvido em chamas. Teria morrido ele. E morreria a rir, de olhos bem abertos observando a lua a apagar-se.

II

   Quebrando o pensamento. Neste momento ela pergunta-lhe.
   - Será que enquanto nos observamos neste momento, em silêncio os nossos fantasmas viajam num espaço paralelo de mãos dadas e a sorrir?
 Ele, esboçando uma expressão alegre meia forçada apenas lhe diz.
   - Que fantasmas? Toca-me!
   - Vês? Pareço-te obra da tua imaginação? – Prossegue ele meio indignado, mostrando não acreditar muito nessas tretas transcendentais.
   - Não é isso. Eu sei que és real!
   - Mas já pensaste que talvez só num espaço paralelo a este é que o nosso amor pode ser real? E é nesse espaço que vivem estes fantasmas de que te falo. Ou como lhes quiseres chamar.
   Entretanto o silêncio. Como é belo por vezes escutar o vazio, percorrê-lo e abraçá-lo.
   E no fim?
   Atacá-lo! Torturá-lo! E GRITAR! Gritar de maneira a partir aquele cubo de titânio que nos reveste sem sequer darmos conta.
   E no fim?
   Voltar á realidade ou aquilo a que todos nós atribuímos esse significado. Aceitar o tempo, visualizar o espaço. Conformarmo-nos.
   Disse-lhe ele agressivamente naquele instante, como quem corta as cordas a uma marioneta.
    - Os fantasmas somos nós. E a realidade também!
    - Todo esse mundo que idealizas é apenas fruto da tua imaginação, um apêndice que está ligado ao homem desde sempre. É apenas um sonho! – Continua ele, como se as palavras surgissem de alguma forma divina.
   - ACORDA! VIVE! NEM QUE SEJA POR UM EFÉMERO SEGUNDO! – Gritou ele quase ficando sem voz.
   E tudo parou. Uma amnésia total. Aquele que falava efusivamente está agora estático. O tempo é apenas uma invenção reles do homem. Os pássaros cessaram o canto e os rios já nem se cansam em dirigir-se ao mar. O vento já nem para acessório serve e as gotas da chuva estão fixas no vácuo. A verdade deu lugar á mentira e a realidade tornou-se simplesmente um sonho…
   Tudo o que ele logicamente desprezava acabou por aprisioná-lo como na natureza faz a aranha á mosca. O seu cubo cada vez mais apertado começava agora a esmagá-lo, não deixando fuga possível.

III
 
   PHUM! PHUM! PHUM! E um relâmpago fazendo-se ouvir num estrondo apocalíptico devolve-os de novo às escadas, naquela rua iluminada onde já tinha anoitecido completamente e a lua brilhava como nunca se tinha visto. As conversas continuavam nas cadeiras dos cafés. As pessoas continuavam passando com os seus guarda-chuvas. As janelas começavam a fechar-se e as portas mantinham-se na mesma, talvez como uma forma de protecção do mundo exterior. O vento soprava ainda mais forte e a chuva continuava a cair.
   - Abraça-me! - Disse ela baixinho.
   - Não te compreendo de todo. – Respondeu-lhe ele começando a chorar. Falando como se estivesse a conter a sua raiva dentro dos seus ossos, da sua carne, da sua pele. Queria ser dono dele próprio. Talvez o tenha feito ou foi apenas consumido pela sua própria loucura, destruindo tudo o que de virtuoso o útero da sua mãe largou como se de um milagre se tratasse.
   E tudo continuou.

Tiago Oliveira    31/12/2011

1 comentário:

MsPsychodelic disse...

tou parva :o tens cenas brutais aqui.